quinta-feira, abril 19, 2007

A tecnologia funcionando como meio de prova no judiciário

Trago aqui o artigo de autoria de Camilla do Vale Jimene. A autora é professora de Direito Digital e especialista na área. Agradeço de público à autora a gentileza de enviar seu artigo e permitir a publicação no Blog.
O texto além de ser realmente pertinente realçando uma situação atípica no Direito da Tecnologia é escrito de maneira muito inteligente, o que é peculiar à produção da autora.



A tecnologia, nos dias atuais, pode revelar as mais íntimas informações do nosso cotidiano de forma desconcertante. O envio de um simples e-mail pode trazer à tona um caso extraconjugal do parceiro, a prática de concorrência desleal do sócio, a pornografia acessada pelo filho adolescente e até mesmo a jornada de trabalho em caráter de horas extras.

Foi exatamente o que aconteceu com o empregado de um Hotel em Brasília, que, contratado para exercer suas atividades em jornada diária das 8:00 às 18:00 horas, foi obrigado, diariamente, a extrapolar sua jornada de trabalho. Mesmo que permanecesse até mais tarde nas dependências do Hotel, via-se coagido a anotar o horário de saída no cartão de ponto de forma diversa da realidade.

Ao desligar-se da empregadora, moveu reclamação trabalhista e apresentou como prova de seu labor em jornada extraordinária os e-mails corporativos que trocava com seus superiores, colegas de trabalho e clientes. A simples impressão dos e-mails, em que pese ser matéria discutível, foi considerada prova legítima pela Juíza de primeiro grau que condenou o empregador, dentre outras coisas, ao pagamento das horas extras e seus reflexos.

Inconformado, o empregador recorreu, argumentando que os e-mails foram documentos produzidos unilateralmente, confeccionados pelo próprio trabalhador, podendo ser facilmente adulterados e, ainda, conter horário não condizente com a realidade dos fatos.

Porém, os Juízes do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (Distrito Federal e Tocantins), consideraram que a correspondência eletrônica, fruto da modernidade, possui sim validade probatória, constituindo um meio de prova hábil a demonstrar a prática do trabalho em sobrejornada, não pairando sobre a mesma nenhum indício de incorreção dos registros efetuados ou adulteração nos conteúdos.

Os magistrados entenderam ainda que o ônus de provar a elasticidade da jornada de trabalho é do reclamante, que se desincumbiu do mesmo no momento que carreou aos autos as impressões dos e-mails. Todavia, o Hotel não obteve êxito em provar suas argumentações de que o horário não estava correto ou de que as mensagens tivessem sido adulteradas – o que, nesse caso, poderia ter sido provado através de perícia. Ora, como toda a sociedade digital já defende – provas digitais se constituem através da análise de registros digitais!

O caso em comento, pode nos causar dois tipos de reflexões: a primeira é a importância de manter todos os relógios do sistema de processamento de informações, em âmbito corporativo ou privado, sincronizados com a hora oficial do país, afinal, ele pode servir como prova de um direito ou prova de um ato ilícito; a segunda é cautela na utilização dos meios digitais - afinal a tecnologia é a testemunha mais segura, pois, dificilmente mente.



2 comentários:

  1. Anônimo4:25 PM

    Eu discordo do posicionamento do tribunal. Um e-mail é um arquivo texto que pode ser editado da forma que for precisa. Um e-mail impresso nunca pode ser prova de um ato.

    Deste jeito, daqui a pouco teremos a utilização do remetente de e-mail(facilmente burlável) como prova de crimes contra a honra, por exemplo, sem que o mesmo tenha escrito nada.

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  2. Anônimo5:43 PM

    Interessante observar, porém, que o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, analisando caso análogo, decidiu em sentido contrário:

    Processo TRT nº: 2.164-2003-053-15-00-6 RO
    Recorrentes: FABIO SEBASTIÃO VIEIRA DA CRUZ e MOTOROLA INDUSTRIAL LTDA.
    Origem: 4ª Vara do Trabalho de Campinas

    EMENTA

    PROVA; ELEMENTOS CONSTITUTIVOS; 'E-MAILS' OU MENSAGENS ELETRÔNICAS; IMPOSSIBILIDADE.

    Cópias de 'e-mails' não servem como provas que visem demonstrar que determinado trabalho fora realizado naquele horário nele indicado, já que mensagens eletrônicas podem ser gravadas num momento, mas enviadas a seus destinatários em outro. Além disso, as facilidades do mundo virtual moderno, associadas ao estilo de vida da sociedade contemporânea, permitem que um profissional de nível médio receba e envie mensagens relacionadas com seu trabalho através de seu próprio computador pessoal, conectado à rede interna de sua empresa, mas instalado em sua própria residência.

    Inteiro teor disponível aqui.

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