sexta-feira, novembro 14, 2008

Transações bancárias não autorizadas e culpa exclusiva do correntista

Transações bancárias não autorizadas e culpa exclusiva do correntista

A jurisprudência brasileira cível ainda é vacilante quando trata da retirada indevida de dinheiro por criminosos através de home-banking. A maior parte dos julgados reconhece a responsabilidade objetiva do banco fazendo a relação de que basta haver o dano e o nexo causal sem a necessidade de existência de culpa por parte do banco. Entende-se que se o sistema permite a manipulação indevida das contas ele seria, por concepção, inseguro.No entanto, a questão não é tão simples assim.

Outros julgados eximem o banco da responsabilidade ao entender que houve culpa exclusiva do correntista. Em geral alega-se que o sistema é totalmente seguro e que a invasão da conta deu-se por negligência do correntista. A Código de Defesa do Consumidor, quando explica a questão da responsabilidade objetiva aplicada aos serviços assim diz no §3°, inc. III do artigo 12:

§3 - O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:
...
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Um dos leading cases sobre a culpa exclusiva do usuário de Internet por negligência é a APC. 70011140902, do TJRS. Assim diz a ementa:

APELAÇÃO. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. TELEFONIA. SERVIÇO NÃO PRESTADO. COBRANÇA. INSCRIÇÃO NO SERASA. Internet. conexão a provedor internacional. vírus. A ligação telefônica internacional para a Ilha Salomão, que ocasionou o alto valor cobrado na fatura emitida pela ré, decorreu de discagem internacional provocada por vírus instalado na máquina do autor. Quem navega na rede internacional (WEB) deve, necessariamente, utilizar um programa 'anti-vírus' para evitar tais acontecimentos. Negligência do autor. Inexistência de ato ilícito atribuível à Embratel. AÇÃO IMPROCEDENTE. APELAÇÃO IMPROVIDA.

No entanto para a caracterização dessa culpa exclusiva deve haver o cumprimento do dever de informar da instituição bancária. O banco deve sempre informar acerca dos riscos de utilização do serviço. Este dever de segurança é um direito básico do consumidor assim explicitado no art. 6°, inc. III:

Art. 6° - São direitos básicos do consumidor:
...
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

Vemos também a menção no art. art. 9° do CDC:

Art. 9° - O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto.

A norma mais esclarecedora talvez seja a do art. 31 do CDC:

Art. 31 - A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

É sabido que na internet é bastante comum a propagação de vírus (ou códigos maliciosos) que realizam as mais variadas funções. Alguns destes tem a função específica de conseguir capturar os caracteres digitados no teclado do computador, passando-os para o criminoso. Os tribunais entendem que caso o banco realize campanhas ostensivas de segurança, ele cumpriria com o dever de informação eximindo-se assim de qualquer responsabilidade em caso de invasão dos computadores dos seus clientes. A pergunta que deve ser feita é a seguinte: Será que um sistema inseguro, pode ter sua insegurança compensada pelo cumprimento do dever de informar? Na nossa opinião, a resposta é negativa.

O dever de informação deve ser satisfeito de maneira que cumpra sua função, nos termos dos artigos acima citados. A informação passada acerca do serviço deve ser eficiente para cientificar completamente o cliente do banco acerca de suas responsabilidades específicas, caso haja. O cliente necessita ter, com a informação prestada, condições de escolha sobre o uso do serviço.

O professor Christoph Fabian (O Dever de Informar no Direito Civil. São Paulo:RT, 2002) ao tratar do dever de informar, assim preceitua:

A instrução deve ser clara, ostensiva, e facilmente compreensível para o consumidor. Tais instruções não devem ficar escondidas entre elogios do produto ou alguma propaganda. p. 147
...
Uma informação é ostensiva quando se exterioriza de forma tão manifesta e translúcida que uma pessoa, de mediana inteligência, não tem como alegar ignorância ou desinformação. p. 150

Nota-se que as campanhas promovidas pelos bancos mais parecem propagandas do que reais advertências sobre o uso do sistema. Com as campanhas atuais, muitas vezes escondidas, não há como garantir a ostensividade da informação exigida pelo CDC. Quem pode, por exemplo, negar a ostensividade das advertências dispostas nas carteiras de cigarro? O autor ainda diz (p. 151) que a expressão "Beba com moderação" disposta nas bebidas, não é bastante ostensiva.

Há um mecanismo bastante interessante chamado pré-logon-banner, muito utilizado em ambientes corporativos e acadêmicos. Tal mecanismo consiste em pequenas janelas com informações, que são mostradas antes de alguém ter acesso ao sistema. Esses pré-logon-banners têm a função de passar informações para quem acessa o sistema. No ambiente corporativo eles têm a função de cientificar os colaboradores de que os sistemas são monitorados, que o uso deve ser apenas para fins profissionais, etc. Destaca-se que a informação é passada antes de se acessar o sistema. Caso a pessoa não concorde com aquelas regras apresentadas, não consegue acessar o sistema. Vemos que um dispositivo semelhante poderia ser adaptado nos sistemas de home-banking. Isso reforçaria o dever de informação do banco pela ostensividade do mecanismo. Não haveria como, antes do correntista acessar o sistema, não ler as recomendações de segurança.

Não percamos de vista também que os controles de Segurança da Informação são bastante complexos. É sabido que em incidentes de segurança, um dos aspectos mais explorados por criminosos é exatamente a parte humana da cadeia. E isso vale não apenas para ataques envolvendo home-banking, mas também para outros sistemas. O processo de explorar as vulnerabilidades humanas para conseguir informações é conhecido como "engenharia social". Aliado a isso deve ser dito que a atividade de tornar um sistema seguro não é tarefa simples. A cada dia descobrem-se novas vulnerabilidades dos sistemas, inconsistências em sistemas operacionais além de novas formas de explorar falhas. Os especialistas em Segurança da Informação dizem inclusive que não existe um sistema 100% seguro; sempre haverá uma forma de quebrá-lo, seja por forma técnica ou mediante a exploração das vulnerabilidades humanas.

A ciência da computação, ao tratar também da segurança da informação, utiliza a seguinte premissa "Nenhuma corrente á mais forte do que seu elo mais fraco". Ao que sabemos essa expressão foi cunhada originalmente por Arthur Conan Doyle (Nenhuma cadeia é mais forte do que seu elo mais fraco). A idéia é que todas as proteções de segurança aplicadas a um sistema tornam-se ineficazes se houver um ou mais controles ineficientes ou fracos. A segurança, então, é um processo que se não observado em todas as suas fases, torna o sistema mais ou totalmente inseguro. Fazendo uma analogia, é como se alguém trancasse todas as portas de sua casa mas deixasse uma janela aberta. Esse "elo mais fraco" é a parte humana e diga-se de passagem, todo o especialista em segurança da informação sabe disso. O banco inclusive sabe muito bem disso. Por saber disso, os sistemas devem ser adaptados e protegidos contra essa vulnerabilidade. A construção dos sistemas deve observar sempre tal vulnerabilidade. A questão é saber se um sistema que permite a exploração desta vulnerabilidade pode ser considerado potencialmente inseguro. Entendemos que tal situação torna sim o sistema inseguro nos termos do CDC. Tal insegurança provém, entre outras coisas, da disparidade de informações que tem o fornecedor e o consumidor. Como se disse, o consumidor não têm condições técnicas de avaliar corretamente os riscos provenientes do uso do home-banking; não há como se exigir do consumidor o conhecimento das técnicas de engenharia social utilizadas pelos criminosos. Isso foge do conhecimento do homem comum, do homem médio. Tais relações baseiam-se na confiança que o consumidor deposita no serviço de home-banking. Como ensina o professor Christoph Fabian, na obra já citada, a informação prestada pelo fornecedor deve atentar para os riscos do uso do produto ou serviço:

Os perigos previsíveis não são apenas aqueles que resultam do uso adequado. Eles abrangem também os perigos de utilizações erradas que podem naturalmente ou facilmente acontecer. p. 148

Por fim, entendemos que a interpretação da questão ainda deve evoluir. A doutrina e a jurisprudência devem ainda reforçar qual a extensão do dever de segurança. É urgente também que se defina se um sistema que permite a invasão através da exploração de vulnerabilidades humanas pode ser entendido como seguro. Ainda, é importante que não se perca de vista a responsabilidade objetiva dos fornecedores de serviços; esquecer-se disto seria esquecer-se de aplicar o CDC às relações consumeiristas.

segunda-feira, novembro 03, 2008

Quebra de sigilo telemático para obter prova em ações cíveis

Quebra de sigilo telemático para obter prova em ações cíveis

Recentemente tivemos notícia de uma decisão do TJSC (APC 2003.005260-7)t ratando sobre a quebra do sigilo telemático para ações indenizatórias. A questão do sigilo de comunicações é bastante discutida no Direito da Tecnologia em face da prática de ações no pretenso anonimato da rede, além dos computadores armazenarem fortes provas dos atos praticados. Este sigilo é protegido pela Constituição (CF art. 5° inc. XII), só podendo ser aberto em circunstâncias especialíssimas.

Em casos envolvendo danos na Internet é bastante comum que se ajuíze ações cautelares de produção antecipada de prova. Em geral ajuíza-se essa ação cautelar contra o provedor visando obter a identificação do dono do IP no momento da prática do ilícito. Após a "personalização" do endereço IP é possível ajuízar a ação indenizatória principal contra o autor do ato que provocou o dano. Interessante mencionar, à título de curiosidade, que a legislação processual americana permite ajuízar ações contra um réu indefinido. Explica-se: na legislação brasileira não é possível com uma única ação obter a identificação do ofensor e, na mesma ação, obter a indenização. São necessárias duas ações, uma para identificar o autor e a outra para obter a indenização. É preciso saber de antemão quem é o réu para iniciar-se um processo. O inconveniente disso é que são necessárias duas ações diferentes, com custas, honorários advocatícios, possibilidade de mais recursos, etc. No direito americano há as chamadas "John Doe Lawsuit". Quando portanto, não se sabe exatamente quem é o réu, ajuíza-se a ação contra contra um réu fictício (ficticious defendant). Quando descobre-se o réu, este é inserido na ação passando esta a correr contra aquele. Há uma economia de tempo e de esforços para se chegar ao resultado pretendido. É claro que a comparação entre o direto brasileiro (baseado no sistema romano-germânico chamado pelos americanos de Civil Law) e o direito americano (baseado no sistema anglo-saxão chamado pelos americanos de Common Law) é inaquada; são sistemas totalmente diferentes e incomparáveis, sendo tecnicamente impossível e inadequado apontar o melhor ou pior. Ressalta-se aqui essa curiosidade apenas por curiosidade, como se disse.

O caso julgado no TJSC tratava sobre uma medida cautelar de produção antecipada de prova visando a apreensão do computador do réu. O autor (que era um provedor) alegava ter sofrido um ataque. Através de uma ação anterior, pôde obter junto ao provedor Terra a identificação do usuário que supostamente efetuou a invasão. Após obter essa identificação, ajuízou a demanda cautelar para obter a busca e apreensão, o que foi deferido. Em grau de recurso, o réu pede a nulidade da busca e apreensão pela inconstitucionalidade da violação dos dados.

O cerne da discussão recai na possibilidade da quebra do sigilo telemático em ações cíveis. Em demandas criminais, a quebra de sigilo é adequada e freqüente; no entanto não o é em ações cíveis. A decisão cita a lei 9296/96 que autoriza a quebra de digilo apenas em casos de investigações criminais e quando os dados estão em tráfego. O conceito de interceptação traduz-se pela captura de dados enquanto estão sendo transmitidos. Se já houve a transmissão, não se fala mais em interceptação de dados, mas sim em busca e apreensão dos dados já gravados. Embora seja uma diferença bastante tênue ela é necessária e importante pois qualifica ou não a utilização da referida lei. É a conhecida distinção entre proteção aos dados e ao tráfego dos dados, ou à comunicação. Entende-se que a citada norma protege o tráfego e não os dados em si. Isso não quer dizer que os dados não sejam protegidos; apenas não o são pelo citado diploma legal.

A decisão termina por referir que não há como realizar a devassa dos dados guardados em computadores pessoais para a obtenção de prova cível. O direito penal, por tutelar de forma diferenciada os bens jurídicos, tem o poder de realizar a quebra de tais sigilos. Tomamos a liberdade de citar um fragmento da fundamentaçào do acórdão que muito bem explica a questão:

"Com efeito, se se liberar as entranhas do computador para produzir prova civil, a intimidade e a privacidade das pessoas estará liquidada. Como exercício especulativo, imagine-se como isso seria utilizado no delicado campo do Direito de Família."

A íntegra da decisão pode ser encontrada aqui.

sexta-feira, agosto 15, 2008

O Orkut utilizado para o cometimento de ações criminosas

O Orkut utilizado para o cometimento de ações criminosas

Neste semana três situações bastante peculiares chamaram atenção por envolverem o Orkut sendo utilizado como meio de cometimento de ações danosas.

A tecnologia, por si só, não é boa nem má: é axiologicamente neutra. Seu aspecto negativo ou positivo é dado pela intenção do usuário; é assim com todas as ferramentas tecnológicas, não sendo diferente com o Orkut.

É sabido que várias ações danosas são diariamente praticadas através do Orkut, entre outras, a criação de perfis falsos, o envio de mensagens e a criação de comunicades ofensivas algumas delas tipificando inclusive alguns dos crimes contra a honra. Também já se viu a ocorrência de crimes de difusão de pornografia infantil, apologia a crime ou criminoso, incitação ao crime, instigação ao suicídio e até tráfico de drogas através da utilização de redes sociais.

A primeira situação ocorreu em Curitiba, onde um homem foi preso por aplicar golpes pela Internet. Conforme notícia da Folha On Line, ele utilizava-se do Orkut para aproximar-se das vítimas tendo aplicado golpes no valor de mais de R$ 80.000,00 em duas médicas da cidade. O cidadão já responde a processos pelo crime de estelionato.

A segunda situação ocorreu em São Paulo, segundo o site da Info Online, onde uma falsa ameaça de bomba foi propagada através desta rede social. Um prédio foi esvaziado em função da comunicação. Segundo a notícia um inquérito foi iniciado para apurar responsabilidades. Possivelmente há a tipificação do crime de comunicação falsa de crime ou contravenção ou, dependendo das circunstâncias a tipificação do crime de ameaça.

O terceiro e último caso, ocorreu em Santa Catarina, conforme informação do site Consultor Jurídico. Um advogado, criou perfis falsos de duas pessoas. Em tais perfis realizou ele uma montagem com fotos pornográficas envolvendo uma das vítimas e no outro atribuiu preferências homossexuais a outro, namorado da primeira vítima. Após investigação policial o autor dos perfis falsos foi preso em flagrante em uma lan house, acusado do crime de falsidade ideológica.

Este último caso merece uma atenção mais aprofundada sobre da tipificação legal destes crimes. Vejamos como está descrito, em nosso Código Penal, o crime de falsidade ideológica. Assim reza o art. 299:

Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.

Certamente um perfil do Orkut não pode ser considerado como um "documento público ou particular". Embora parecer-nos certa a existência de um grave dano moral às vítimas, devemos notar que não podemos utilizar a analogia para tentar efetuar condenações, como nos ensina o princípio da proibição da analogia "in malan parte". Em sendo assim, a analogia não poderia ser utilizada aqui para abranger como documento particular uma página na internet. O conceito de documento está ligado ao seu suporte fático, não podendo abranger documentos eletrônicos. Ademais para a configuração do crime de falsidade ideológica, deve ter o autor a incumbência de preencher o documento e preenche-o com declaração falsa. Certamente, nesta situação, não tinha o autor a incumbência de criar perfis no orkut para os ofendidos. Ainda a expressão "fato jurídico relevante", deve ser considerada nesta situação. Ao manifestar-se sobre esse crime diz E. Magalhães Noronha, em Direito Penal, v. IV, p. 161: "é mister que a declaração falsa constitua elemento substancial do ato de documento. Uma simples mentira, mera irregularidade, simples preterição de formalidade, etc., não constituirão." Luiz Regis Prado, nos seus comentários ao Código Penal, nos ensina: "A falsidade feita com exclusivo animus jocandi, ou sem qualquer interesse jurídico, não configura o delito. Não é a mera mentira que se pune, mas a ofensa à veracidade naquilo que o ordenamento jurídico entende necessário, o que se depreende da própria exigência legal de que se trate de falsidade relativa a fato juridicamente relevante.
A conduta, mesmo sem a existência de um crime atual que a classifique, provavelmente poderia ser tipificada também como inserção de dados falsos em sistema de informatizado. Nosso código penal passou a definir crime semelhante, quando modificado pela lei 9983/2000. Porém o tipo penal aplica-se apenas a funcionários públicos quando praticarem a conduta em sistemas da administração pública. Assim reza o art. 313-A do CP.

Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano:" (AC)
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa." (AC)

O substitutivo aos PLS 76/2000, PLS 137/2000 e PLC 89/2003, de autoria do senador Eduardo Azeredo, caso transformado em lei, abrangeria essa conduta como criminosa. O projeto infelizmente não traz o tipificação do crime de inserir dados falsos em sistema informatizado. No entanto, poderíamos realizar a tipificação como crime de falsificação de dado eletrônico ou documento particular. O art. 16 do projeto de lei define como dados informáticos, qualquer representação de fatos, informações ou de conceitos sob forma suscetível de processamento numa rede de computadores ou dispositivo de comunicação ou sistema informatizado. É através da equiparação legal do art. 16 do projeto de dado informático como "representação de fatos" que poderia haver a tipificação. Atualmente, como não há a equiparação legal de "dado" à coisa, e também pelo crime atual de falsificação não trazer em seu bojo a falsificação de "dados" é que não poderia ser realizada a tipificação com base nesse crime.

terça-feira, junho 24, 2008

Legislação Brasileira sobre Crimes Digitais

Legislação Brasileira sobre Crimes Digitais

Como amplamente divulgado pela mídia, o Brasil está prestes a adotar uma legislação sobre Crimes Digitais. O substitutivo dos projetos de lei PLC-89/2003; PLS-137/2000; PLS-76/2000 (que pode ser lido aqui) já foi aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado (a tramitação pode ser acompanhada aqui).

Tal legislação já era esperada há muitos anos (os primeiros projetos datam de 2000) uma vez que diversas condutas ofensivas quando praticadas aqui no Brasil não encontram na legislação a tipificação adequada. Hoje, com a atual legislação, quem invade um site e apaga informações, por exemplo, não comete nenhum crime.

Ao mesmo tempo que o projeto vem para preencher uma grande lacuna na legislação, ele traz alguns problemas que poderiam (e ainda podem) ser evitados.

Um dos primeiros problemas é que o substitutivo nada trata acerca da questão dos Direitos Autorais. O projeto poderia ter avançado para tratar também sobre a delicada questão dos crimes envolvendo Direitos Autorais. Talvez a descriminalização de algumas condutas, bem como da especificação do conceito de "violação de direitos autorais" fossem bem-vindas.

No entanto o grande problema do substitutivo é a questão da obrigação de armazenamento dos logs. Hoje, a Comissão de Tecnologia da Informação do Conselho Federal da OAB, da qual fazem parte duas grandes autoridades brasileiras no Direito da Tecnologia, Marcel Leonardi e Alexandre Atheniense, divulgou uma nota acerca do substitutivo.

O cerne da questão é o caput do art. 22 do substitutivo que estabelece a obrigatoriedade dos provedores de acesso armazenarem seus logs por no mínimo 3 anos. O problema é que da forma como foi redigido, o artigo limita essa obrigação apenas aos provedores de acesso retirando a obrigatoriedade de provedores de conteúdo ou de serviços. Portanto, segundo este artigo, os provedores de serviços como as redes sociais por exemplo, não teriam a obrigação de armazenamento.

A íntegra da nota pode ser lida diretamente no blog do Dr. Alexandre Atheniente, clicando aqui, ou através do endereço http://www.alexandreatheniense.com.br/ no link "Últimas Notícias".

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Perda e furto de dispositivos móveis - Notícia

Perda e furto de dispositivos móveis - Notícia

Complementando o último post acerca da perda de dispositivos móveis, trago mais uma notícia de um fato ocorrido no dia 20 de Fevereiro desse ano.
Foi roubado um notebook, na cidade de Nova York, contendo os registros de aproximadamente 171.000 doadores de sangue. A lista era composta apenas por Irlandeses. Como as informações estavam criptografadas, a reportagem salienta que há uma "remota" chance de que venham a ser acessados.
Como forma de mitigar as conseqüências jurídicas do incidente, o Irish Blood Transfusion Service já colocou um 0800 à disposição dos atingidos. No entanto tal incidente representaria um potencial risco jurídico, uma vez que o mau uso desses dados por terceiros, em tese, pode fazer com que órgão venha a ser responsabilizado pela falha na guarda das informações. Digo representaria, uma vez que o fato dos dados estarem criptografados anula praticamente a chance do acesso por terceiros.
Como foi dito no último artigo, os danos financeiros podem ser imensos. Vejam que nesse caso o órgão já começou a disponibilizar uma estrutura de atendimento aos interessados, o que representa custo.
A íntegra da notícia pode ser lida aqui. A fonte é o jornal The Irish Times.

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Perda e furto de dispositivos móveis

Perda e furto de dispositivos móveis

Achei interessante fazer mais algumas considerações sobre este assunto, aproveitando ainda os recentes acontecimentos dessa natureza ocorridos com a Petrobras.

A dependência cada vez mais crescente que as organizações têm da informação digitalizada é inegável. Segredos industriais, planos de negócios, dados financeiros, folhas de pagamento, projetos estratégicos, e-mails corporativos, enfim: praticamente todas as informações necessárias para o funcionamento de uma organização estão armazenados digitalmente. A perda de tais informações pode acarretar perdas econômicas imensas para a empresa.

Não é raro, no entanto, os responsáveis pela TI negligenciarem os cuidados ao armazenamento e transporte de tais dados. E isso ocorre mesmo em face dessa dependência total da informação digitalizada. É muito comum funcionários transitarem portando notebooks recheados de informações estratégicas e confidenciais. As boas práticas de Segurança da Informação aconselham que dispositivos móveis (notebooks, pda's, drives móveis, etc) estejam com seus dados criptografados. Isso faz com que na eventualidade da perda ou roubo dos dispositivos, não haja a possibilidade de haver a leitura dos dados nele armazenados. Caso isso ocorra, a perda se dá apenas no valor do hardware perdido ou furtado. Estes, ao contrário das informações, em geral tem baixo valor para a organização e podem ser facilmente repostos. Uma informação estratégica perdida, como já se disse, pode representar uma perda monetária imensurável.

O que se disse até agora não é novidade para a maioria das empresas. Qualquer análise de risco identifica o potencial risco de carregar informações sensíveis em dispositivos móveis sem contar com procedimentos de criptografia. Com isso pergunta-se: Por que ainda ocorrem incidentes envolvendo perda de informações em dispositivos móveis? Por que as empresas insistem aceitar um risco que pode ser facilmente evitável?

A primeira resposta diz respeito à resistência dos donos da informação de seguirem as regras de proteção estabelecidas nas políticas (quando elas existem). Muitas empresas possuem, em suas políticas as determinações acerca de criptografia de dados mas, no entanto, os envolvidos não compreendem o alcance e importância da norma. Com isso o maior problema é realmente a falha e o erro humano.

Outra resposta, por mais simplória que possa parecer, é que em geral vige nas organizações a idéia de que incidentes ocorrem apenas com os outros. E isso ocorre em todo o mundo, não apenas aqui no Brasil. No dia 14 de Fevereiro, em um hospital da Inglaterra, foi roubado um notebook contendo dados médicos de mais de 5000 pacientes. A perda para o hospital é imensurável! Além do dano à imagem, que pode ser medido pela perda de clientes e de credibilidade, há o risco de processos envolvendo a divulgação indevida dos dados perdidos além é claro do risco de desrespeito à legislação local sobre segurança de dados. Em geral, em tais situações, a empresa afetada contrata consultorias para amenizar as perdas. Quando tal perda ocorre com bancos é comum os bancos contratarem consultorias financeiras especializadas para acompanhar as contas dos clientes tentando previnir eventuais desvios, numa demonstração de boa-fé.

Tal caso lembra uma outra situação ocorrida nos EUA em que um cracker conseguiu interceptar dados médicos de pacientes de um hospital através de uma rede sem fio. O que em um primeiro momento podia indicar um fato sem importância, acabou tornando-se um caso sério de extorsão. O criminoso selecionou os dados de pacientes que eram portadores do vírus da AIDS e, com isso, passou a chantageá-los para não divulgar publicamente tal informação. Importa lembrar que os EUA possuem uma norma federal regulando o controle de informações médicas dos pacientes: é o conhecido HIPPA (Health Insurance Portability and Accountability Act).

Do ponto de vista jurídico é importante citar que a negligência no que diz respeito à guarda de dados é jurídicamete relevante. Caso trate-se de relação negocial comum, irá se apurar a responsabilidade subjetiva dos responsáveis pela informação no caso de seu furto ou perda. Há um dever, mesmo que tácito e não disposto nos contratos, de zelar pelo armazenamento de informações confidenciais Tal dever pode ser entendido com um dever anexo ao dever geral de cuidado, dever este advindo da regra da boa-fé objetiva. Além do mais, a perda de informações pode consubstanciar a violação de algum eventual Acordo de Confidencialidade (também conhecido como NDA - Non-disclosure agreement).

Na seara consumeirista, vige o conceito de responsabilidade objetiva. Isso significa que não se discutirá a existência de culpa sobre a perda ou divulgação indevida dos dados em uma relação de consumo. Basta haver o dano e o nexo causal.

Em face disso nota-se que os responsáveis pelo setor de TI das organizações devem sempre observar as melhores práticas do setor acerca da proteção e segurança das informações armazenadas em dispositivos móveis.


Um dia após o fechamento desse post, precisamente 21 de Fevereiro de 2008, a Computerworld publicou uma notícia intitulada "A lição do roubo na Petrobras". A notícia versa sobre a gestão da segurança da informação e seu conteúdo complementa de certa forma o que foi aqui escrito.
A notícia pode ser vista clicando aqui.

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Informações confidenciais, dispositivos móveis e o caso Petrobras

Informações confidenciais, dispositivos móveis e o caso Petrobras

A mistura de informações confidenciais e dispositivos móveis pode ser realmente explosiva caso não existam controles técnicos adequados. Há muito tempo o noticiário internacional tem trazido notícias sobre incidentes envolvendo furtos e perda de dispositivos móveis. Os profissionais de Segurança da Informação estão bastante habituados em encontrar situações assim. Há casos célebres envolvendo perda de fitas com dados sobre empregados, notebooks contendo dados do seguro social, etc. O FBI, por exemplo, sofreu 160 incidentes assim em quatro anos (http://idgnow.uol.com.br/seguranca/2007/03/12/idgnoticia.2007-03-12.8167257255/).

No Brasil recentemente tivemos um caso envolvendo o furto de um notebook da Polícia Militar do RJ. Segundo a reportagem o comandante Geral da PM teve seu notebook furtado e as informações sigilosas foram parar nas mãos de criminosos da Favela da Rocinha.

Erros humanos quase sempre estão presentes em casos envolvendo perda de informações confidenciais. Uma pesquisa do IT Policy Compliance Group demonstrou uma estatística interessante sobre a perda de dados: 50% dos incidentes dessa natureza são causados por erros humanos enquanto que a violação das políticas é responsável por 25% dos incidentes (http://idgnow.uol.com.br/seguranca/2007/03/12/idgnoticia.2007-03-12.8167257255/).

Em face disso é que a preocupação com a Segurança da Informação não deve ser apenas da equipe de tecnologia. Além do mais o foco de preocupação não deve ser apenas em cima de computadores, mas em cima do processo como um todo. Nesse passo a Segurança da Informação, deve abranger não apenas a informação digitalizada. Como a própria norma ISO IEC NBR 17799 nos ensina, processos de segurança envolvem Segurança Física, Segurança em Recuros Humanos, análise de requisitos legais em contratos, etc.

Um dos principais motivos para que os profissionais do Direito da Tecnologia devam se preocupar com esses assuntos é a grande auxílio preventivo que atividade jurídica presta em situações dessa natureza. A elaboração de contratos de outsourcing prevendo os termos de responsabilização de cada parte incluindo multas, é um ponto muito importante nessa atividade. A previsão, também nos contratos, da observância das normas internacionais de segurança pode ser interessante para nortear a conduta dos envolvidos. Também o auxílio da equipe de Segurança da Informação através da orientação jurídica é outro ponto importante. Ao mesmo tempo uma análise do eventual risco jurídico envolvendo processos TI é uma atividade que se realizada com a devida atenção pode evitar perdas no futuro. Casos como esse podem gerar muitos processos judiciais além do dano à imagem, sem contar é claro com os impactos econômicos.

Por outro lado, os especialistas em Segurança da Informação que trabalham com análise de risco sabem que são tomadas decisões sobre de quais os riscos serão suportados ou não pela organização. Uma empresa dificilmente irá controlar e evitar a concretização de todas as ameaças envolvendo a Segurança da Informação. Isso seria virtualmente impossível. Em algumas situações a empresa pode aceitar suportar um risco advindo de determinada ameaça. Nesses casos é realizada também uma análise em relação ao custo do controle do risco em questão: caso seja mais caro controlar o risco do que aceitá-lo provavelmente a organização pode não realizar ações de controle. Ao mesmo tempo há diversas variáveis envolvendo probabilidade, ativos atingidos, grau de importância do ativo que suportaria o risco, etc. Todas essas atividades podem ser previstas contratualmente. Não é raro prestadores de serviços terem que aderir às políticas de segurança da informação das empresas e isso é determinado nos contratos.

É importante notar que incidentes envolvendo a perda ou furto de dados confidenciais envolvem, entre outras coisas: as disposições contratuais que regem a relação entre as partes envolvidas (e avaliação das práticas de outsourcing); a reavaliação e observação das práticas de Segurança de Informação da organização; o dano à imagem da empresa bem como as repercussões que o ocorrido podem causar no mercado (queda no valor de ações, relação com investidores, etc). Além de tudo isso há também repercussões criminais sobre tais incidentes.

Sabe-se que a manipulação e armazenamento de informações confidenciais em dispositivos móveis na maioria dos casos utiliza recursos de criptografia para a segurança. Criptografar informações em dispositivos móveis é um processo relativamente simples e que pode ser feito com baixo custo para uma organização. Existem atualmente ferramentas gratuitas e disponíveis na plataforma de software livre, oferecendo inclusive recursos bastante avançados.

Para a correta aplicação e gerenciamento dos recursos criptográficos o ideal é que tal seja previsto na Política de Segurança. Porém ambiente corporativo conhece há muito os problemas relativos a sua efetiva aplicação e cumprimento. Lembro-me de um excelente artigo publicado no blog do especialista em Segurança da Informação, Anderson Ramos. O nome do artigo é "Como não implementar medidas de segurança". Lá ele faz um apanhado de algumas situações e dificuldades na aplicação de controles de segurança da informação. A visão do autor elucida bastante as reais dificuldades encontradas na atividade.

Nos famosos casos americanos em que notebooks são perdidos ou furtados é comum as imprensa relatar que apesar da Política da Empresa prever diretrizes acerca da criptografia de dados, os dados envolvidos não estavam criptografados. Essa é outra demonstração das dificuldades envolvendo a aplicação de controles de segurança da informação. Na presente situação, não tivemos conhecimento ainda dos termos da Política de Segurança da Informação da Petrobras. No entanto, é bastante provável que ela preveja o armazenamento criptografado em dispositivos móveis. Em geral as Políticas de Segurança são baseadas na norma ISO IEC NBR 17799 que trata sobre esse assunto. Além do mais a impresa não noticiou mas é possível que tais equipamentos furtados estejam com seus dados criptografados o que faz com que esses dados estejam virtualmente inacessíveis.

Quanto aos aspectos criminais do ocorrido, em primeiro lugar, uma informação básica é que não se trata de roubo de informações. O roubo envolve violência ou grave ameaça à pessoa, o que, em princípio, não houve. Em segundo lugar, se houvesse o roubo, ele seria dos equipamentos e não das informações. Nesse caso, com as informações preliminares, houve (entre outros crimes) um furto qualificado pela destruição de obstáculo. A Polícia Federal, trabalha com várias linhas de investigação. Uma delas é realmente a ocorrência de um furto sem que os envolvidos soubessem que se tratava de equipamentos contendo informações sigilosas. Mesmo assim, a linha principal é que realmente a ação tenha sido direcionada para a apropriação das informações.

É importante destacar também que ações como essa podem ocorrer com muito mais freqüência do que imaginamos. Uma ação bem sucedida de apropriação de informações especificamente realizada no ambiente digital pode ser feita sem deixar praticamente nenhum vestígio. A interceptação de e-mails e de conversas de Instant Messengers, pode ocorrer através da instalação de spywares ou vírus. Redes sem fio também são um vetor para esse tipo de interceptação. Os ataques tem se tornado cada vez mais direcionados. E em geral, ao contrário do que muitas políticas pregam, informações confidenciais transitam por e-mail não criptografados o que, potencialmente, é um risco para a segurança dessas informações.

Até esse momento consegui identificar que provavelmente o crime seja tipificado como crime contra a segurança nacional (Lei 7170/83) (além do crime de formação de quadrilha). Diz-se isso uma vez que segundo a imprensa comenta, estariam em jogo informações atinentes à segurança nacional entregues à grupo estrangeiro. O art. 13 dessa lei dessa lei é claro em definir:

Art. 13 - Comunicar, entregar ou permitir a comunicação ou a entrega, a governo ou grupo estrangeiro, ou a organização ou grupo de existência ilegal, de dados, documentos ou cópias de documentos, planos, códigos, cifras ou assuntos que, no interesse do Estado brasileiro, são classificados como sigilosos.
Pena: reclusão, de 3 a 15 anos.
Parágrafo único - Incorre na mesma pena quem:
...
IV - obtém ou revela, para fim de espionagem, desenhos, projetos, fotografias, notícias ou informações a respeito de técnicas, de tecnologias, de componentes, de equipamentos, de instalações ou de sistemas de processamento automatizado de dados, em uso ou em desenvolvimento no País, que, reputados essenciais para a sua defesa, segurança ou economia, devem permanecer em segredo.


Caso não se trate de informações envolvendo a segurança nacional entendo que o crime seria caracterizado na Lei de Propriedade Industrial (9279/96). Em geral esta última lei classifica tais crimes como concorrência desleal. Não há, portanto, no Brasil uma lei definindo o crime de Espionagem Industrial. A tipificação que mais se adequa ao caso, conforme a lei de Propriedade Industrial está no art. 195. Vejamos:

Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:
XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;
XII - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude;
...
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

Por fim o presente caso deve servir como fonte de reflexão não só para os advogados que atuam no Direito da Tecnologia como também nos profissionais de Segurança da Informação. É a prova de que a má-gestão da Segurança da Informação pode trazer conseqüências muito maiores do que o comumente imaginado.


sexta-feira, janeiro 04, 2008

Venda de informações sigilosas por camelôs

Venda de informações sigilosas por camelôs

Ao ler um post no blog do Camargo Neves, lembrei que havia feito uma pesquisa há algum tempo acerca da venda de informações sigilosas por camelôs. Na época, em abril de 2007, foi amplamente divulgado na mídia a ocorrência da venda dessas informações (Informações sigilosas são vendidas em CD's na Santa Efigência - Fonte site G1). No post citado (Por que assumir a responsabilidade e resolver o problema parece ser tão difícil para as autoridades brasileiras?) o autor comenta, entre outras cosias, sobre o fato de alguns camelôs em SP venderem dados relativos às declarações de IR. Em que pese o assunto ser extremamente fértil para a discussão da eventual responsabilidade civil do Estado (nesse caso o Estado responde através da responsabilidade objetiva - art. 37 §6º da CF e art. 43 do Código Civil), quero abordar apenas alguns aspectos penais do questão. Vamos adotar dois focos de responsabilidade nesse caso: uma abordando a responsabilidade do agente público que deixa vazar a informação e a outra do agente que vende a informação, ou seja, o camelô. Importante também ressaltar que partirei da premissa hipotética de que um funcionário público forneceu voluntariamente as informações. Vamos, então, à tipificação legal.

Em geral tais ações são tipificadas como "violação de segredo". Do ponto de vista do agente público que fornece voluntariamente as informações, entendo que há a tipificação do crime de Violação de Sigilo Funcional, nos termos do art. 325 do Código Penal:

Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave.
§ 1o Nas mesmas penas deste artigo incorre quem:
I - permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública;
II - se utiliza, indevidamente, do acesso restrito.
§ 2o Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Podemos notar aqui que o agente que "permite ou facilita... o acesso de pessoas não autorizadas" também comete o mesmo crime. Basta o acesso de pessoas não autorizadas. No entanto devemos notar que este crime pode ser praticado apenas por funcionários públicos especificamente em sistemas da Administração Pública (ao contrário do art. 153 §1A). Caso esta mesma situação ocorresse em outros sistemas ou banco de dados que não fossem da Administração Pública, o agente não poderia ser enquadrado nesse tipo legal. A lei extende, em alguns casos também, o entendimento do que seja "funcionário público" através do art. 327 do Código Penal.

Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.
§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

Essa equiparação nos lembra de um caso ocorrido em uma universidade federal em que um estagiário foi comparado à funcionário público para a tipificação do crime Inserção de dados falsos em sistemas de informações, do art. 313-A do Código Penal. Neste caso o estagiário, que também era aluno, inseriu e alterou os dados da universidade relativos as suas notas nas cadeiras que cursava.

Já para o camelô que vende os dados sigilosos, entendo que há a tipificação do crime de Divulgação de Segredo de acordo com o art. 153 §1o-A do CP:

§ 1o-A. Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 2o-A Quando resultar prejuízo para a Administração Pública, a ação penal será incondicionada.

Mas como definir o que é uma informação confidencial ou sigilosa? O sigilo sobre esses dados é garantido tanto pela nossa Constituição Federal em seu art. 5º, inc. X (são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação) e também no art. 7º, pár. único da lei 11.111/2005 que diz:

As informações sobre as quais recai o disposto no inciso X do caput do art. 5o da Constituição Federal terão o seu acesso restrito à pessoa diretamente interessada ou, em se tratando de morto ou ausente, ao seu cônjuge, ascendentes ou descendentes, no prazo de que trata o § 3o do art. 23 da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991
.

Ademais, temos também o decreto 4553/2002 que dispõe sobre a salvaguarda de dados, informações, documentos e materiais sigilosos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, no âmbito da Administração Pública Federal... onde prega em seu artigo 37:

Art. 37. O acesso a dados ou informações sigilosos em órgãos e entidades públicos e instituições de caráter público é admitido:
II - ao cidadão, naquilo que diga respeito à sua pessoa, ao seu interesse particular ou do interesse coletivo ou geral, mediante requerimento ao órgão ou entidade competente.


Em sendo assim, essas são as breves considerações acerca da tipificação de crimes envolvendo o fornecimento e venda de informações


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