sexta-feira, junho 22, 2007

Orkut, MP, Liberdade de Expressão e Devido Processo Legal

Recentemente tivemos notícias de alguns acordos dos MP's estaduais com o Google Brasil, no sentido de que aqueles passam a poder retirar conteúdos ofensivos do site Orkut. Em geral, seriam concedidos poderes de administração na rede do Orkut para que conteúdos pré-taxados de ilegais sejam retirados de circulação. No entanto entendemos haver alguns problemas legais nessa atuação do MP.

É inegável que a questão de crimes digitais no Orkut é assunto que merece discussão. Todos concordam que o site de relacionamentos é utilizado para o tráfico de drogas, divulgação de pedofilia, ameaças, além de outros crimes. No entanto, ao mesmo tempo que podemos identificar facilmente casos mais evidentes, entendo que pode haver um abuso de poder por parte do MP em retirar conteúdo legalmente publicado.

A tipificação de um conteúdo como ilegal, entendemos que deve passar necessariamente pelo crivo de uma análise judicial. Não podemos, com o argumento de que precisamos agir rapidamente nos casos de crimes digitais, suprimir a instância judicial. Há a garantia constitucional do devido processo legal que, mesmo nesses casos, não deve ser desrespeitada.

Sabemos que um promotor não é um juiz. A frase é por demais óbvia, mas importa em reconhecermos que um promotor não tem os mesmos poderes de um juiz. Devemos ressaltar que não se quer aqui desprestigiar a atuação do MP que, nos casos de crimes digitais, é importantíssima. O MP desempenha um trabalho irretocável, no que diz respeito ao Direito da Tecnologia. No entanto, vemos que um promotor não tem o poder de fazer cessar a publicação de conteúdos legalmente publicados na Internet. Se houver a necessidade, há que se buscar uma ordem judicial para tanto, sob pena de atropelarmos o princípio do devido processo legal (due process of law). Portanto nos preocupamos não com os conteúdos manifestamente ilegais publicados, mas sim nos que estejam em uma zona fronteiriça.

Com isso, devemos ressaltar também, não se tratar de uma questão de direito material: não se quer defender a publicação de conteúdos ilegais na Internet. O que se quer aqui é ordenar o procedimento legal para a retirada de conteúdo. É certo que conteúdos ilegais devem ser retirados do ar de forma mais rápida possível. No entanto, este ato, por mais urgente que seja, deve acompanhar a lei, ou seja, ser precedido de uma ordem judicial. Nossa Constituição é clara em seu art. 5º IX em afirmar:

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

Uma atuação do MP nesses casos, poderia em tese ferir a garantia constitucional de liberdade de expressão. Mais uma vez relembramos: um juiz deve interferir em cessar a publicação de qualquer conteúdo. Entendemos, portanto, que esses convênios deveriam se dar com o judiciário e não com o MP. A liberdade de expressão, como garantia, não deve ser ameaçada por ato de quaisquer autoridades em uma democracia. Igualmente é sabido que o Estado tem o dever de fazer cessar publicações criminosas. Então, através do princípio da proporcionalidade devem coexistir esses dois valores.

Por fim, vemos ainda a possível responsabilização do Google Brasil em atender retiradas de conteúdos que, após um procedimento legal não fosse considerados ilegais. A mera requisição de uma parte atingida ou até do MP, não pode ter o mesmo poder de um juiz em ordenar a retirada de um conteúdo de publicação.

2 comentários:

  1. Caro Colega Guilherme,


    Parabéns pela iniciativa de criar um blog sobre Direito de Informática, ainda mais sob o regime Creative Commons.
    Quanto ao seu post, me permita fazer algumas considerações à respeito.
    Eu não li os termos dos acordos firmados entre a Google e o MP, porém, não parece razoável afirmar que os promotores públicos "passam a poder retirar conteúdos ofensivos do site Orkut".
    O objetivo é criar uma "via rápida" para a retirada desses conteúdos.
    De fato, o juízo de legalidade de um conteúdo publicado, em qualquer mídia, deve ser feito pelo judiciário, respeitando-se é claro o devido processo legal. Porém, a Google tem o dever de retirar, de oficio, todo o material ofensivo do ar, inclusive o contrato firmado entre a Google e o usuário permite isso.
    O problema surge quando a subsidiária da Google no Brasil afirma que não pode cumprir uma ordem judicial sob a alegação de que quem controla o site de relacionamentos é a Google americana.
    Outro problema é a identificação dos responsáveis, nem sempre essas empresas, situadas fora do país, estão dispostas a fornecer os dados de seus usuários ou então cópias dos logs. A Constituição preceitua que "é livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato". O problema é que a Google americana não está sob nossa jurisdição.
    Me parece correto que o acordo tenha sido firmado com o MP. O Judiciário tem o dever de, quando provocado, aplicar a lei, e para tanto ele dá ordens, não é necessário um convênio.
    Também creio que a Google do Brasil seja responsável pelo site de relacionamentos. Pensar de outra forma seria o mesmo que acreditar que um hacker brasileiro possa atacar o servidor deles e não ser responsabilizado no Brasil.
    Agora, quanto à questão da censura. Imagine que alguém publique no seu blog uma mensagem, cuja publicação tipifique crime, você, uma vez notificado à respeito, iria tirar a mensagem do ar ou iria esperar o judiciário se manifestar acerca da legalidade da mensagem?
    É uma questão a se pensar...
    Achei bastante interessante o seu blog. Vou dar uma olhada nos outros posts.



    Saudações,

    Eliudson Santos

    ResponderExcluir
  2. Em primeiro, obrigado pelo comentário. Vejo que há dois problemas: o técnico e o jurídico. O problema técnico já foi superado. Todos sabem que há viabilidade técnica de fornecimento de dados. Todas as decisões judiciais a esse respeito, trata a questão já como resolvida. Entendo que era mais uma tática de defesa do que realmente uma impossibilidade técnica real.
    Já a questão jurídica é muito mais delicada. Há que se notar aqui que tratam-se de valores Constitucionais que devem coexistir em harmonia, sem que um exclua o outro. Nesses casos usamos o Princípio da Proporcionalidade a fim de permitir que tais valores coexistam.
    Veja o seguinte, podemos identificar facilmente conteúdos classificados como criminosos, como por exemplo a divulgação de pedofilia ou de conteúdo de ódio racial. Quanto a isso não há dúvida. No entanto, dependendo da granularidade do conteúdo, pode ser que não seja tão simples assim essa identificação. Há diversos casos no Orkut em que críticas, (repito, críticas)foram alvo de censura prévia, apenas por tratar-se de pessoas públicas e notórias. A crítica é garantida pela liberdade de expressão, desde que não seja ofensiva. Veja que há milhares decisões judiciais em que a discussão é justamente essa: a fronteira entre o crime e o ato lícito no que diz respeito à manifestação do pensamento.
    Nesse passo é que se faz necessária a intervenção judicial. Apenas o poder judiciário pode dizer isso. Caso não observemos isso, estaremos violando a garantia da liberdade de expressão em prejuízo à "potencial" ocorrência de um crime. Esse era um dos principais fundamentos da censura pelo qual passou nosso país em épocas recentes. Isso permite a preservação do devido processo legal, como tu bem observaste.
    Ainda, não há um dever jurídico (lembre-se da norma constitucional de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei) de pré-classificação de conteúdo por parte dos provedores de serviços (como é o caso do Orkut). Assim, exigir uma conduta diversa seria configuraria até abuso de poder. Tanto é assim que a maioria das decisões judiciais nesse sentido entendem que o provedor de serviços só deve retirar o conteúdo após notificado judicialmente.
    Quanto à sua afirmação de que o Google não esta sob nossa jurisdição, eu devo, com todo o respeito, discordar. O simples fato da localização do servidor, não serve para a caracterização da competência. Quando uma empresa passa a oferecer serviços para o público de um país, na sua língua oficial, submete-se sim àquela jurisdição. É claro que não há a viabilidade de executar uma ordem judicial caso essa ordem fira a autonomia e a soberania do país. No entanto, caso uma empresa se estabeleça em um país através de uma subsidiária, ligada à controladora internacional, a subsidiária controlada responde pela controladora. É evidente que a Google Inc. é pessoa jurídica diferente da Google do Brasil Ltda. No entanto a primeira controla a segunda e ambas fazem parte do mesmo grupo econômico. Ademais, veja o que diz o art. 88 § único do CPC:
    É competente a autoridade judiciária brasileira quando:
    I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;
    Parágrafo único. Para o fim do disposto no no I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.
    Ainda, veja o que diz o art. 28 §2º do CDC:
    § 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
    Portanto, é indiferente se a empresa está domiciliada lá nos EUA, se tem um representante legal aqui.
    Por fim entendo que o cerne da questão é: a ordem legal não pode ser quebrada; um promotor de justiça ou a autoridade policial não podem realizar funções que são privativas da autoridade judiciária. Pensar ao contrário seria dar efeitos de sentença à um ato administrativo do ministério público...
    Mais uma vez obrigado. E sinta-se à vontade, caso queira escrever algum artigo para publicação. Terei prazer em publicá-lo.
    Um abraço
    Guilherme Goulart

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...