sexta-feira, dezembro 27, 2013

Como o consumidor é tratado no Brasil e nos EUA

Vejam a brutal diferença de duas realidades envolvendo a forma com que empresas de comércio eletrônico tratam o mesmo problema:
  • Neste Natal, em função da não ter previsto a grande demanda, a loja americana de comércio eletrônico Amazon não conseguiu entregar no prazo prometido muitas de seus pedidos. Algumas das compras seriam entregues até antes do Natal o que não ocorreu. Para tentar amenizar o problema a Amazon ofereceu, voluntariamente, um cartão presente de U$ 20,00 para os que foram atingidos pelo atraso.  Esses U$ 20,00 podem não resolver o problema de quem ficou sem presente de Natal; dependendo do caso, o inconveniente representa muito mais do que isso. Por outro lado, isso mostra uma disposição da empresa em resolver um problema causado por ela mesma[1]. 
  • Aqui no Brasil existem milhares de ações envolvendo o descumprimento dos prazos de entrega no comércio eletrônico. Esse é o cotidiano dessas empresas. Como se sabe, o prazo de entrega faz parte da oferta e deve ser cumprido. Algumas das decisões, todavia, entendem que o mero descumprimento de prazo não configura dano moral, sendo necessárias outras circunstâncias agravantes como o desleixo do fornecedor em atender o cliente ou em não responder suas demandas, recalcitrância em cancelar o pedido quando solicitado, a continuidade do desconto em cartão de crédito sem que a compra seja entregue, etc. Quando estas circunstâncias não acompanham o atraso na entrega, tudo é considerado como "mero incômodo" normal da vida cotidiana.
  • Com isso, dou dois exemplos pessoais envolvendo essas duas realidades:
    • Em uma situação de demora na entrega de uma compra feita na Amazon, contatei a loja solicitando uma forma de resolver o problema. Eles responderam em menos de 24 horas informando que o livro comprado era o último do estoque e que não teriam como me enviar outro. Assim, prontamente, fizeram o estorno dos valores no meu cartão de crédito. Alguns dias depois o livro chegou. Ao informá-los da situação, eles disseram para eu não me preocupar e que o estorno seria uma forma de amenizar o atraso da entrega.
    • Comprei três livros na última BlackFriday na loja virtual da Revista dos Tribunais. A compra foi feita em 29/11/2013. Após fazer uma reclamação sobre a demora na entrega, recebi, duas semanas depois, apenas um dos livros. Fiz diversos contatos pelo site da loja virtual sem receber nenhum retorno. Tive que ligar para lá. A atendente informou que em função da grande procura, esgotou-se o estoque deles. Eu teria que esperar até o dia 31 de Dezembro (ou seja, só para 2014) e que o mesmo teria acontecido com diversos clientes. Tudo isso não mereceu nem ao menos um e-mail por parte da loja para explicar o porquê de ter recebido apenas um dos três livros. Além do mais, eles desrespeitaram o decreto 7962/2013 (art. 4º, inc. V e VI além do seu §único) por não responderem meus contatos feitos por meio de sua página.
Nota-se um abismo entre as duas situações. As pessoas acostumaram-se a serem destratadas a todo o instante. O comércio eletrônico no Brasil é fonte de grandes problemas e de grandes violações dos direitos do consumidor. Empresas vendem e não entregam, descumprem prazos, informam um valor e na hora da conclusão da compra cobram outro, vendem produtos que não possuem, fazem propaganda enganosa, etc. A lista é interminável. O raciocínio é bastante simples: o prazo de entrega deve sempre ser cumprido. Há casos (e isso aconteceu comigo diversas vezes) em que o consumidor pode escolher um produto mais caro em função do prazo de entrega ser menor. Comprar um produto que não se sabe quando será entregue, além de não ter sentido, é bastante frustrante. Além disso, o consumidor perde seu tempo tentando resolver essas questões, escrevendo e-mails, anotando protocolos, fazendo ligações, reclamando pelo Twitter, etc [2]. São os chamados micro-danos que não possuem expressão para levar o consumidor ao judiciário, mas que se somados causam um abalo nas relações de consumo.

Acerca do problema envolvendo a Revista dos Tribunais, é de se notar que a BlackFriday é uma grande oportunidade para as empresas. Naturalmente, em função dos grandes descontos, é de se esperar (o que é bastante óbvio) que ocorra um aumento considerável na demanda. Dessa maneira, se há o risco de faltarem produtos em estoque com a incerteza sobre o prazo de entrega, a empresa deve prevenir-se. Um contador no site informando o número de produtos em estoque pode ser uma ótima forma de resolver o problema. Bastaria que a empresa informasse que o prazo será aumentado para mais de um mês para produtos comprados que não estiverem em estoque. Pronto! A empresa cumpre assim com o dever de informar, o consumidor sabe que comprará um produto que chegará em sua casa daqui a um mês, e todos ficam satisfeitos.

Assim, são inúteis decretos que regulam a atividade do comércio eletrônico bem como a vindoura alteração no CDC se para as lojas for economicamente mais vantajoso descumprir a lei. Enquanto o judiciário insistir em não aplicar a indenização punitiva nessas empresas, de forma que sintam efetivamente a presença do judiciário, essas situações continuarão a fazer parte do nosso cotidiano.

Notas
[1] - Mais informações podem ser buscadas em em uma reportagem do WashingtonPost
[2] - Sobre isso, nossa doutrina já se manifestou no excelente livro "Desvio produtivo do consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado" de Marcos Dessaune (diga-se de passagem, editado pela própria Revista dos Tribunais).

quinta-feira, julho 11, 2013

Resposta oficial da Abin sobre o monitoramento do WhatsApp

Recentemente a imprensa nacional repercutiu uma notícia (aqui, aqui, aqui e aqui) bastante preocupante: que a Abin, em função das recentes manifestações ocorridas no Brasil, estaria monitorando algumas redes sociais e também o WhatsApp. Pouco foi falado, todavia, acerca do fato das comunicações feitas por meio do WhatsApp serem consideradas comunicações privadas, protegidas por sigilo constitucional. Uma exceção foi a reportagem da revista Galileu que entrevistou o Prof. Carlos Affonso Pereira de Souza e a Profª Carolina Rossini que criticaram a medida. O referido monitoramento, se realizado sem ordem judicial específica, constituir-se-ia no crime de interceptação telemática não autorizada, assim tipificado no art. 10 da lei 9296/96.

Ciente da seriedade desta questão, utilizei-me da lei 12.527/2011 (a lei de acesso à informação) para questionar o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência sobre o assunto. Abaixo a reprodução do pedido e da resposta obtida:

Protocolo: 00077.000909/2013-05
Solicitante: Guilherme Damasio Goulart
Prazo de Atendimento: 10/07/2013 23:59:59
Tipo de resposta: Correspondência eletrônica (e-mail)
Descrição da solicitação: A imprensa noticiou, na data de hoje, que a Abin está montando uma rede para monitorar as recentes manifestações na Internet (http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,abin-monta-rede-para-monitorar-internet,1044500,0.htm). Ocorre que entre os serviços que estão sendo monitorados, um deles, o WhatsApp, é um serviço de mensagens privadas. Minha solicitação é : - Saber como o serviço WhatsApp está sendo monitorado (quais os meios técnicos usados e como as mensagens estão sendo interceptadas). - Qual a base legal para este monitoramento e se há ordens judiciais autorizando esta ação.

Resposta
Prezado Senhor, Guilherme Damasio Goulart, Em atenção ao pedido de informação (NUP: 00077.000909/2013-05) apresentado por V.Sa, este Serviço de Informação ao Cidadão do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República esclarece que a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) não monitora o serviço de WhatsApp. Informamos ainda, que nos termos do art. 15, da Lei nº 12.527/2011, o interessado poderá interpor recurso no prazo de 10 dias. Om informações do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. Atenciosamente, Serviço de Informações ao Cidadão do Palácio do Planalto. www.planalto.gov.br/acessoainformacao
Neste sentido, temos uma resposta oficial do Governo Brasileiro afirmando categoricamente que não monitora o WhatsApp. Tenhamos isto em mente caso, no futuro, o contrário venha a ser demonstrado.

terça-feira, abril 16, 2013

Taxonomia revisada de dados das redes sociais

O texto abaixo é uma tradução autorizada do artigo "A Revised Taxonomy of Social Networking Data" de Bruce Scheneier que foi publicado, originalmente em https://www.schneier.com/blog/archives/2010/08/a_taxonomy_of_s_1.html. Agradecemos a gentileza do autor em autorizar a tradução.

Taxonomia revisada de dados das redes sociais

Por Bruce Schneier
Trad. de Guilherme Damasio Goulart e Vinícius Serafim


Ultimamente tenho lido sobre segurança do usuário e privacidade - controle, na realidade - nas redes sociais.[1] A questão é difícil e as soluções mais difíceis ainda, e eu tenho visto muita confusão até mesmo na formulação das perguntas. As redes sociais lidam com uma série de tipos de dados diferentes e é essencial separá-los.

Abaixo segue a minha taxonomia[2] dos dados de redes sociais, a qual foi apresentada pela primeira vez na reunião do Internet Governance Forum, em Novembro de 2009 e após uma revisão em Junho de 2010, em um workshop sobre o papel dos intermediários na Internet na OECD.

  • Dados de serviço são aqueles dados que você dá ao site de rede social para poder utilizá-lo. Tais dados podem incluir seu nome, sua idade e seu número de cartão de crédito.
  • Dados divulgados são aqueles que você publica nas suas próprias páginas: posts em blogs, fotografias, mensagens, comentários, etc.
  • Dados confiados são aqueles que você publica nas páginas de outras pessoas. É basicamente o mesmo do que os “dados divulgados”, porém a diferença é que você não tem controle sobre os dados após postá-los - o outro usuário [o destinatário] é que possui este controle.
Continuar lendo

segunda-feira, abril 08, 2013

Publicação de artigo na Revista Digital de la Red Iberoamericana de Derecho Informático


Informo, com muita alegria, que o meu artigo "Projeto de atualização do Código Civil e Comercial argentino: lições para o Brasil envolvendo o Direito da Tecnologia" foi publicado no n. 14 da Revista Digital de la Red Iberoamericana de Derecho Informático.

Faço um agradecimento especial ao advogado Guillermo M. Zamora que é Diretor da Red Iberoamericana de Derecho Informático.

A revista pode ser baixada aqui.

quinta-feira, abril 04, 2013

Entrevista na Rádio TransMundial sobre crimes informáticos

Publico aqui a entrevista que foi feita comigo na Rádio TransMundial em 04 de Abril de 2013 no programa RevistaRTM. O tema foi a nova lei de crimes informáticos (popularmente chamada de lei Carolina Dieckmann) que passou a vigorar no último dia 3 de Abril.

Meus agredecimentos à jornalista Renata Burjato e à produtora Renata Theodoro.

Em função do tempo e do espaço o assunto foi tratado de maneira mais simples buscando o esclarecimento do público geral. Para uma discussão mais aprofundada e crítica sobre o tema sugiro o episódio 22 do Podcast Segurança Legal, o qual mantenho em conjunto com o prof. Vinícius Serafim. Ele estará disponível a partir do dia 08 de Abril de 2013 no site www.segurancalegal.com.


sexta-feira, março 08, 2013

Curso de Extensão em Responsabilidade Civil na Internet

Gostaria de divulgar aqui um curso que ministrarei na faculdade IDC sobre Responsabilidade Civil na Internet. Mais informações podem ser obtidas clicando na imagem.


sexta-feira, fevereiro 08, 2013

Estatísticas de fraudes, proteção de dados pessoais e “pânico moral”

Reproduzo aqui meu artigo publicado no site da empresa BrownPipe Consultoria.

O CIFAS (organização sem fins lucrativos de prevenção de fraudes da Inglaterra) reportou que em 2012 houve o registro de 38.428 fraudes[1] envolvendo o acesso não autorizado a contas. De acordo com esta pesquisa, em 65% das fraudes foi necessário que os agentes tivessem que ter acesso a dados pessoais dos usuários para o cometimento dos crimes. Esta aquisição de dados pessoais envolve desde ações de hacking, engenharia social e também interceptação de correspondência e e-mails.

Os números ingleses mostram que houve um aumento de 53% das fraudes envolvendo o acesso não autorizado a contas, de 2011 para 2012. Porém estes números vistos isoladamente podem não signifcar muito. Seria necessário verificar também o crescimento do número de usuários e do número de serviços e contas (sabe-se que os usuários cadastram-se em novos serviços com uma frequência bastante grande). Além do mais, seria importante verificar a diminuição da frequência de outras atividades criminosas. Dependendo da situação, o criminoso migra de atividade, partindo para ações de menos risco ou de maior custo-benefício (aumentando assim o seu benefício marginal)[2].

Destaca-se, inicialmente, a grande diferença de números de fraudes envolvendo a Inglaterra e o Brasil. É evidente que se tratam de países diferentes, com realidades absolutamente distintas (inclusive em relação à educação e à tecnologia) e também com números de habitantes diferentes. Mesmo assim, a natureza das estatísticas - e a sensação que sua divulgação causa - deve ser destacada. A Serasa reportou recentemente a notícia de que a cada 15 segundos uma pessoa seria vítima de “tentativa de fraude” no Brasil e ainda que, de janeiro a setembro de 2012, houve 1.565.028 tentativas de fraude[3]. Infelizmente, a Serasa não reportou... (continuar lendo)

sábado, janeiro 26, 2013

Termos de Uso, EULAs, Windows 8 e clareza de disposições

Reproduzo aqui meu artigo publicado no site da empresa BrownPipe Consultoria.

Um dos grandes problemas com o uso de softwares e sistemas na internet, do ponto de vista do consumidor leigo, do usuário comum é a quantidade e a qualidade da informação que os fornecedores dão acerca dos sistemas. Trata-se de um direito básico do consumidor, conforme o art. 6º do nosso CDC.

Ocorre que não se trata apenas do fornecedor meramente publicar ou não as informações. Em alguns casos, o problema está na forma com que as informações são publicadas. Há situações em que é necessária uma formação jurídica para que o usuário compreenda os termos de uso de um site ou sua política de privacidade. Dessa maneira é necessário que a informação seja de qualidade, que realmente possa informar o consumidor leigo, que seja útil e adequada, que seja ostensiva, simples, completa e o principal: compreensível. Também deve informar os direitos e deveres de usuário e também os eventuais riscos aplicáveis à situação (riscos estes envolvendo, entre outras coisas, os problemas do fornecimento de informações pessoais e sensíveis).

Mais complexas ainda são as famosas EULAs (End User License Agreement) ou Licenças de Uso presentes em qualquer sofwtare. Geralmente quem elabora essas licenças de uso consegue utilizar apenas um jargão técnico absolutamente incompreensível para o usuário comum e, em função disto, totalmente inútil do ponto de vista do cumprimento do dever de informar.

(continuar lendo)
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